domingo, 1 de fevereiro de 2015

2040: humanos só dirigirão carros em pistas de recreação e games


Artigo escrito por Ricardo Longo, sócio-diretor da Onoffre Consulting
Sinto uma certa pena antecipada dos meus netos que ainda nem nasceram. Aposto que eles nunca terão nem um resquício da mesma relação fascinante com os carros que eu e umas três gerações antes de mim tiveram. Não é só o prazer de dirigir, mas também todo o envolvimento emocional com os automóveis, como por exemplo a sensação de conquista ao aprender a guiar, a satisfação de comprar o pri-meiro carro com o próprio dinheiro ou aquele "cheirinho de carro novo” que a gente sente algumas vezes ao longo da vida.
Assim como minha filha de 9 anos não consegue imaginar um mundo sem celular ou Internet, meus netos perguntarão abismados: “Vovô, como era quando as pessoas que dirigiam os carros? Que estranho que devia ser…” Digo isso porque eu aposto meu dedo mindinho da mão esquerda como em 2040 (talvez bem antes) todos os veículos automotores serão totalmente autônomos. Não será permitido a humanos controlar essas máquinas perigosas em vias públicas. Simples assim. Será imposto por lei em praticamente todos os países.
A Internet demorou somente 20 anos para nascer comercialmente em 1995 e se tornar o que é hoje. Isso porque não há leis que obriguem seu uso ou que proíbam a utilização de outros meios alternativos. No caso dos automóveis, não somente o mercado (fabricantes e consumidores) caminhará no sentido dos veículos totalmente autônomos, como também os governos e as autoridades irão impor isto à sociedade. A transformação poderá ocorrer muito mais rápido do que se imagina.

O Google e as grandes montadoras do mundo já têm protótipos de carros autônomos rodando por aí e a CES 2015, que ocorreu agora em janeiro, foi invadida pelas marcas de automóvel apresentando seus projetos nessa área. Esse tema começou muito depois, mas está evoluindo de maneira muito mais acelerada que os carros elétricos e quando essas duas tendências se unirem de maneira massificada (carros autônomos e elétricos), a indústria automobilística irá se misturar completamente com a computação e a robótica. Não me surpreenderia que na próxima década teremos a Apple também entrando nesse mercado e lançando seu iCar.

Confira abaixo 8 motivos pelos quais empresas e governos vão abolir os carros tradicionais:

1 - Segurança no trânsito
As pessoas não tiram carteira de motorista, tiram porte de arma. No Brasil, mais pessoas morrem por acidente de trânsito do que por homicídios ou câncer. Só perde para doenças circulatórias. São mais de 60 mil vítimas fatais por ano (dados de 2012). No mundo são 1,2 milhão de mortes no trânsito em 12 milhões de acidentes graves anualmente. Sendo que mais de 95% dos acidentes são causados por irresponsabilidade, imperícia, imprudência e negligência.
Carros autônomos não sofrem de nenhum desses problemas e ainda saberão se autodiagnosticar para detectar possíveis falhas mecânicas. Num mundo somente de carros autônomos não há acidentes de trânsito. E ponto.
Por fim, fora o valor imensurável de uma única vida, quanto um país ou cidade deixa de gastar quando não há mais acidentes (resgate, policiais, hospitais etc)? Estima-se que o custo direto anual de acidentes de carro no mundo chegue a US$230 bilhões.

2 - Congestionamentos
Quando todos os carros de uma cidade forem autônomos, não haverá mais congestionamentos. Não somente os carros se auto-dirigem muito melhor, anteveem movimentos, não se distraem e conseguem otimizar totalmente sua maneira de dirigir, como também (e o mais incrível) é que as ruas poderão alterar de mão e novas rotas serem determinadas conforme a necessidade do horário ou das circunstâncias, sem cones, placas ou guardas de trânsito.
Muito fluxo subindo a 23 de Maio em direção ao Centro? O sistema de trânsito da cidade coloca mais duas faixas da outra pista no sentido contrário e avisa todos os carros. Voilá.

3 - Investimentos em vias públicas
Outra grande vantagem dos automóveis autônomos é que as cidades e países terão que investir muito menos em novas ruas, avenidas e estradas. Esses recursos serão otimizados ao máximo de seu potencial e sobrará mais dinheiro para outras áreas como educação, saúde, habitação, programas sociais, etc. Alguns estudos indicam que a capacidade da estrutura viária de uma cidade é multiplicada por 15 quando todos os carros são autônomos.

4 - Conforto e tempo liberado
Considerando uma média de 1 hora de direção por dia, uma pessoa gasta então 22,5 dias anualmente atrás do volante (considerando um dia de 16hs acordado). Se não tivermos que dirigir para nos locomover, ganhamos quase 1 mês inteiro no ano para fazer coisas muito mais produtivas e prazerosas.
Além disso, haverá muito mais conforto e espaço dentro dos automóveis que poderão ser construídos em formatos muito mais variados do que os limites impostos hoje pela posição de dirigir do motorista e todos os instrumentos que se utiliza para guiar o carro (pedais, direção, controles etc). Já imaginou um carro onde você vá deitado em uma espreguiçadeira ou reunido com a família numa mini-sala?

5 - Custos de produção
Hoje em dia carros autônomos são naturalmente bem mais caros que carros normais. Afinal carregam uma parafernália tecnológica que gera e processa 750Mb por segundo de informação. Mas isso irá se inverter. São duas razões para isso. Primeiro, com o carro se transformando num verdadeiro computador sobre rodas, ele passa a obedecer à Lei de Moore e muito em breve toda a camada computacional de direção autônoma de um carro terá um custo muito reduzido, tendendo a ficar tão insignificante quanto o custo dos amortecedores.
Em segundo lugar, carros que se dirigem sozinhos não terão muitos dos custos de um carro normal como volante, pedais, seletor de marchas e todos os outros controles, assim como podem ser construídos com níveis de segurança passiva menores, já que não sofrerão acidentes num mundo dominado por eles.

6 - Imóveis e estacionamento
Em Los Angeles há 3 vagas de estacionamento para cada carro e 60% de toda a área de cidade é dedicada a estacionamentos. Por outro lado, em Manhattan é muito difícil ou caro estacionar o carro. Em Londres e várias outras cidades da Europa não há imóveis com garagem no centro e em São Paulo, o novo Plano Diretor vai dificultar bastante a construção de garagens em inúmeros bairros. Estacionar o carro é um problema tanto de escassez como de abundância. Carros autônomos resolvem este problema pois podem estacionar em qualquer lugar ou nem estacionar e ficar andando por aí dependendo do local. É como um carro com um motorista incansável. Num mundo assim, será alterada toda a lógica de especulação imobiliária e muitos espaços e terrenos hoje dedicados a estacionamentos poderão ser utilizados para outros fins, assim como haverá muito mais liberdade para as pessoas morarem bem em locais sem vagas próximas.

 7 - Meio ambiente e economia de energia
Nos EUA, 25% do orçamento de energia do país é voltado aos automóveis. E muitos acreditam que os carros elétricos (não necessariamente autônomos) são a grande salvação contra a poluição causada pelos veículos em geral, mas em países com matriz de energia elétrica “suja” baseada no carvão e outros combustíveis fósseis, os ganhos são muito menores. Além disso, convenhamos que uma usina hidroelétrica ou nuclear, apesar de limpas, exigem investimentos colossais e causam grandes impactos na sua construção ou representam um certo risco para a humanidade.
Nesse contexto, os self-driving cars terão um papel muito importante pois representam uma enorme economia de energia nesta matriz, independente de como foi gerada. Ausência de trânsito, direção otimizada, veículos mais leves, motores menores, enfim, todas as características dos carros autônomos contribuem significativamente neste sentido.

8 - Acessibilidade e independência
Muitas pessoas hoje no mundo dependem de outras pessoas ou são obrigadas a utilizar transporte público quando querem se locomover pelas cidades ou estradas. Idosos, deficientes visuais, deficientes físicos, entre tantos outros públicos.
Só para se ter uma ideia da quantidade de pessoas que podem ser impactadas, segundo a OMS, há hoje no mundo 241 milhões de pessoas com 75 anos ou mais. Em 2040 é esperado que esse número chegue a 525 milhões ou 5,8% da população esperada de 9 bilhões de pessoas. Também segundo a OMS há hoje cerca de 285 milhões de deficientes visuais.
Com os carros autônomos isto não será mais uma limitação. Qualquer pessoa, independente de sua condição física ou aptidão para dirigir terá muito mais independência, agilidade e comodidade para poder ir aonde bem entender.

Reprodução

Algumas consequências importantes 
A indústria automobilística é também conhecida como “a indústria das indústrias”. Não somente pelo seu tamanho e importância econômica, mas também por todo o impacto e influência que tem sobre inúmeras áreas da economia como commodities, energia, crédito, tecnologia etc.
E o advento dos carros autônomos terá um impacto ainda inimaginável sobre esta indústria pois não se trata somente de uma nova tecnologia ou tendência, mas sim de uma alteração completa das leis mercadológicas que regem esse mercado há quase 100 anos, desde a introdução da linha de montagem por Henry Ford.
Novos entrantes (ex: empresas de tecnologia), novos modelos de negócio (talvez baseados em utilização e não em propriedade), uma infinidade de novos nichos de mercado e tipos de produto, uma relação nova do consumidor com o automóvel. Tudo irá se alterar gerando grandes desafios e enormes oportunidades para quem participa ou quer participar desse jogo.
Somente para citar um exemplo, como fica a indústria de seguros de automóveis nesse novo cenário? Num mundo sem acidentes ou roubos de carro, para que serve o seguro de automóveis?
No transporte de cargas  e logística, outra enorme revolução. Veículos de carga autônomos de todos os tamanhos e formatos entregando coisas pela cidade ou cruzando as estradas ininterruptamente sem a necessidade do caminhoneiro parar para descansar.
Em relação ao transporte público, mais um mar de possibilidades. Como um verdadeiro sistema vascular, veículos grandes trabalharão em conjunto com veículos médios e pequenos ou até individuais, gerando muito mais comodidade e capilaridade para a população.
Uma cidade de carros autônomos não obedece às mesmas leis de uma cidade de hoje em dia, podendo inclusive ganhar configurações e formatos totalmente diferentes. E essas transformações, em última instância, deverão causar também impactos significativos na cultura e em toda a sociedade.

Grandes mudanças, novos desafios 
Exatamente por serem mudanças tão profundas é que há também enormes desafios a serem superados para que toda esta transmutação ocorra ao nosso redor.
Para começar, como fica o parque de veículos não-autônomos? Quando a sociedade definitivamente “virar a chave” e for proibido o seu uso, haverá um kit de transformação? Virarão sucata? Peças de museu?
Há também o preconceito das pessoas por tudo aquilo que é novo ou inédito. Era feio usar celular em lugar público e minha avó pode jurar que microondas causa câncer. Como será o processo de adaptação e, principalmente, de habituação das pessoas? Elas vão querer e aceitar essa nova relação com os automóveis?
Um outro grande conjunto de desafios diz respeito às questões legais e jurídicas disso tudo. Vamos supor que haja um atropelamento - será extremamente raro mas pode haver. Nesse caso, de quem é a responsabilidade civil? Do dono do carro, do fabricante do carro, do desenvolvedor do software, do Estado, do pedestre?
E ainda, como proteger carros autônomos de vírus e hackers? O que acontecerá quando o software travar? Onde irão trabalhar todos aqueles que ganham a vida dirigindo?
Certamente não são questões simples de se resolver e provavelmente muitos novos desafios surgirão ao longo dos próximos anos. Mas com certeza os benefícios para as pessoas e a sociedade como um todo são muito maiores. Por causa disso posso afirmar que os carros autônomos vieram para ficar e estarão totalmente adaptados em nossa sociedade muito antes do que a gente possa imaginar.
Aí, se a minha neta quiser saber como era dirigir um carro antigamente, levarei ela a uma pista de recreação para experimentar a “adrenalina” de guiar o próprio carro. E ela provavelmente vai achar bem entediante e me pedirá para levá-la para dirigir qualquer carro do mundo em qualquer cidade do mundo no simulador que colocaram no fliperama do Shopping.

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